A relação entre dor orofacial, disfunção temporomandibular (DTM) e estresse é um exemplo eloquente dessa interdependência. A região orofacial, composta pela mandíbula, músculos mastigatórios, articulação temporomandibular (ATM) e estruturas circundantes, está intimamente ligada às emoções e ao estado psicológico de um indivíduo. Estudos atuais apontam que 15% da população sofre algum distúrbio temporomandibular e seu pico está entre os 20 e 40 anos de idade.¹
Identificação da etiologia da dor orofacial
O tratamento inicia-se com uma avaliação abrangente, incluindo anamnese, exame clínico e, quando necessário, exames de imagem. A identificação precisa da etiologia e dos fatores contribuintes é essencial para um plano terapêutico eficiente.1–3 A avaliação adequada desses casos requer uma abordagem integrada, envolvendo profissionais de diferentes áreas da saúde.
- Entrevista inicial ou anamnese – é crucial para compreender a história clínica do paciente. Questões relacionadas a fatores precipitantes, duração da dor, características da dor, histórico odontológico e médico, hábitos alimentares, hábitos parafuncionais e níveis de estresse devem ser exploradas.4
- Complementando a avaliação – exames clínicos detalhados devem incluir avaliação da musculatura facial, articulações temporomandibulares, oclusão dentária, postura cervical e postura global. A palpação dos músculos mastigatórios e da articulação temporomandibular auxilia na identificação de pontos dolorosos e restrições de movimento.1,3,5
Exames radiográficos, como a panorâmica e as radiografias oclusais, podem ser úteis na avaliação da morfologia óssea, posicionamento condilar e presença de patologias articulares.6
Exames complementares, como ressonância magnética ou tomografia computadorizada, podem também ser necessários em alguns casos para avaliação mais detalhada das estruturas articulares.6
- Avaliação da oclusão dentária e a identificação de desordens oclusais – são parte integral da avaliação. Tratamentos odontológicos, como ajuste oclusal ou placas oclusais, podem ser considerados.7
- Avaliação do impacto psicossocial – concluindo a abordagem inicial ao paciente, não devemos esquecer da avaliação do impacto psicossocial. A colaboração com psicólogos ou terapeutas pode ser necessária para abordar fatores emocionais e de estresse.4,8,9
Estresse, disfunção temporomandibular e dor orofacial
A disfunção temporomandibular, um termo que abrange uma série de problemas relacionados à mandíbula e à articulação temporomandibular, muitas vezes manifesta-se através de sintomas como dor facial, dificuldade ao abrir ou fechar a boca, estalos na mandíbula e cefaleia (dores de cabeça).1,2,4,10,11 Estudos têm revelado uma correlação notável entre a presença de estresse e o desenvolvimento ou agravamento de condições de DTM.8,9
O estresse, uma resposta natural do corpo a demandas desafiadoras, desencadeia uma cascata de reações fisiológicas que, quando crônicas, podem contribuir para o surgimento de problemas orofaciais. A tensão muscular é uma resposta comum ao estresse, e os músculos da mastigação podem ser afetados, levando a dores localizadas na mandíbula e região facial. Além disso, a ansiedade e o estresse podem resultar em hábitos deletérios, como o apertamento e o ranger dos dentes (bruxismo), que exerce pressão adicional sobre a ATM e hiperfunção dos músculos mastigatórios.8,9
A conexão entre o estado emocional e a saúde bucal vai além da influência mecânica. A liberação de substâncias químicas associadas ao estresse, como cortisol e adrenalina, pode desencadear processos inflamatórios, afetando diretamente a articulação temporomandibular e os tecidos circundantes.12
Tendo em vista a situação atual da sociedade e os acontecimentos recentes, notamos uma crescente na prevalência de problemas de saúde mental e física. O estilo de vida acelerado, o isolamento social, pressões profissionais e sociais contribuem significativamente para o aumento do estresse que, como supracitado, se interliga a distúrbios temporomandibulares e dores orofaciais.13
Abordagem terapêutica para disfunção temporomandibular e dor orofacial
Dada sua natureza multifacetada, que abrange desde disfunções como a temporomandibular até a neuralgia do trigêmeo, essa condição demanda uma abordagem terapêutica igualmente abrangente. Para além das terapias farmacológicas convencionais, é essencial explorar uma ampla variedade de estratégias para oferecer um alívio efetivo.10,11
1. Espectro farmacológico
Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) desempenham um papel significativo. Esses medicamentos têm propriedades analgésicas, anti-inflamatórias e antipiréticas, o que os torna eficazes no alívio de dor e inflamação associadas a condições como a DTM.14–17
A ação dos AINEs ocorre, principalmente, pela inibição da enzima ciclooxigenase (COX), que desencadeia a produção de prostaglandinas. As prostaglandinas, por sua vez, são substâncias químicas que desempenham um papel crucial na resposta inflamatória do corpo. Ao bloquear a COX, os AINEs reduzem a síntese de prostaglandinas, resultando em menor inflamação, menos sensibilidade à estímulos dolorosos e, consequentemente, alívio da dor.14–18
O ibuprofeno destaca-se como um dos AINEs mais estudados e utilizados, no entanto, ainda está frequentemente associado a desconfortos gastrointestinais. Portanto, uma opção é utilizar a formulação de ibuprofeno arginina. Esta molécula única não apenas reduz a toxicidade gástrica do ibuprofeno, mas também acelera sua absorção, resultando em um início de ação analgésica e anti-inflamatória em apenas 5 minutos, atingindo a concentração plasmática máxima em 15-30 minutos, diferentemente das formulações de ibuprofeno convencional que demoram de 1,5 a 3 horas. Isso combina eficácia, segurança e rápido início de ação, pontos de extrema importância no tratamento da dor.19
Em casos de DTM crônica, onde a inflamação e a dor são frequentemente persistentes, os AINEs podem ser prescritos para proporcionar alívio sintomático imediato. No entanto, é importante destacar que os AINEs não tratam a causa subjacente da DTM, mas sim atenuam os sintomas associados à inflamação e à dor. No entanto, para otimizar a eficácia terapêutica, a escolha do AINE específico deve considerar nuances individuais, como a tolerância gastrointestinal do paciente e potenciais interações medicamentosas.20 Relaxantes musculares, como ciclobenzaprina, podem ser indicados para diminuir a tensão muscular e reduzir a dor associada à DTM, especialmente em casos de bruxismo e apertamento noturno.15–17
Em casos de DTM com componentes inflamatórios, injeções intra-articulares de corticosteroides podem ser consideradas para reduzir a inflamação local.21–23
2. Procedimentos cirúrgicos
Em situações mais graves e refratárias ao tratamento conservador, procedimentos cirúrgicos, como artrocentese ou artroplastia, podem ser indicados para restaurar a função articular.21–23
3. Abordagem psicossocial
Outro aspecto vital é a consideração dos fatores psicossociais no manejo da dor orofacial. É imperativo adotar uma abordagem holística, considerando não apenas os sintomas físicos, mas também os fatores psicológicos subjacentes. Intervenções que abordam o estresse, têm demonstrado ser eficazes na redução da dor associada à DTM.
Em conclusão, a gestão da dor orofacial demanda uma abordagem multicêntrica, integrando não apenas diferentes modalidades farmacológicas, mas também estratégias fisioterapêuticas, terapias alternativas e intervenções psicossociais. Essa abordagem almeja não só o alívio sintomático imediato, mas também visa à promoção da saúde em longo prazo e à melhoria da qualidade de vida dos indivíduos afetados.
Referências:
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